quarta-feira, 30 de abril de 2014

Tudo começou com um post no blog Notas Sobre uma Escolha, em 22 de julho de 2013, mas na verdade a vontade do casal em largar tudo já vinha sendo planejada antes disso. Essa foi a data da decisão e do início da jornada dos corajosos Manu, Hugo e os filhos Tomé e Nina – que ainda estava na barriga da mãe – quando venderam suas coisas e partiram para um lugar inusitado deixando um aviso: “A nossa escolha nada mais é por viver uma vida larga, não apenas uma vida longa”.
Eles trocaram a vida confortável em Lagoa Santa (MG) para morar na bela e simples Chapada Diamantina (BA), destino que está mais acostumado a receber turistas do que famílias com mudança. Entre altos e baixos, Manu relata nos posts como está sendo a vida no campo baiano, onde já produzem seu próprio alimento em uma horta orgânica. O motivo principal do êxodo ela explica no primeiro texto do blog: deixar os filhos mais próximos da natureza, do que é da terra. “Sentimos que eles (e todos os outros que virão vida afora!) são crianças de espírito livre, cheios de luz e consciência. Obrigá-los a crescer na cidade, enjaulados em apartamentos, moldados pelo consumismo social e submetidos à uma educação tradicional nada inteligente seria, de alguma forma, negar toda a essência desses dois serzinhos”.
Além disso, Manu e Hugo querem ter a consciência do que é realmente necessário para se viver, sem todos os confortos da cidade grande, o que parece ser um grande desafio. Mas lendo os textos do blog, a vida campestre não parece tão ruim assim, embora lá também tenha os perrengues nada convencionais, como a fuga das galinhas, a morte de uma das cabras – que foi picada por uma cobra -, os besouros que atacam a plantação, a falta de luz, entre outros, além da  saudade dos familiares.
A ideia de ser autossustentável e de viver da permacultura e do famoso DIY (Do It Yourself) foge totalmente da nossa realidade urbana e exaustiva. O bom é que, diferente da maioria dos mortais, essa família tem acesso a “luxos” que poucos têm, como a vida ao ar livre, sem as violências cotidianas, a comida que vem de hortas verdes e saudáveis, frutas frescas e saborosas, água pura e cristalina e energia solar. Desejamos a eles toda a sorte do mundo!
Confira alguns trechos do diário deles:

07 de agosto de 2013: Passado o susto da chegada e da concretização dessa nossa escolha, vamos ao trabalho que nos espera na reforma da casa e no começo do trabalho com a terra. Nos inspiramos em Tomé e seguimos desbravando sem medo, pegamos carona com ele e vamos aprendendo tudo de peito aberto. Na verdade, a vida nova é que chegou, não fomos nós que chegamos.


19 de fevereiro de 2014: A dependência exagerada do dinheiro sempre foi uma feridinha no nosso pé (pra não falar uma pereba mesmo!). O lance de trabalhar pra pagar contas, trabalhar mais porque as contas aumentaram, ganhar mais porque precisa-se de mais e precisar custa caro, soa pra gente como correr atrás do rabo. Então, quando nos mudamos pra cá, trouxemos na nossa matula o objetivo de tentar algo bem próximo da auto-suficiência. Temos plena consciência de que este é um caminho bem longo, mas sem a ferida no pé fica mais fácil caminhar.


22 de janeiro de 2014: Ando tomando uma rasteira atrás da outra da maternidade, vim aqui hoje chorar minhas pitangas com quem costuma, gentilmente, visitar essa minha gaveta de devaneios. Minha doce ilusão de que tudo seria mais fácil nessa segunda viagem ao fantástico mundo das mães virou purpurina no vento. Algumas coisas “técnicas” até são, tipo os truques mágicos para fazer dormir, a habilidade para pegar as coisas no chão com o pé, fazer xixi com neném no colo, trocar fralda em cinco segundos e de olho fechado e mais um milhão de peripércias que a rotina nos ensina.


22 de agosto de 2013: Ainda tudo no começo, ainda tudo girino. Ainda tudo novidade, mas sempre carregado de certeza da nossa escolha, parece que sempre pertencemos a essa vida. As mudanças vêm vindo com calma e respeitando nosso tempo de adaptação, esse processo tem sido uma delícia para nós quatro. Por falar nisso, muita gente tem me feito perguntas práticas sobre algumas coisinhas dessa mudança, respondo algumas delas aqui e agradeço um monte pelas mensagens lindas que temos recebido!


30 de outubro de 2013: Então fica aqui o endereço da caixa de sapato moderninha do Tomé (e a da Nina não demora!), onde guardamos para ele as memórias de sua própria infância. Com todo o respeito ao tempo rei, sabemos que ele um dia nos roubará algumas lembranças. Mas temos tantas e tão lindas que, a cada foto tirada, acreditamos estar dando uma rasteira nele e guardando para sempre um momento inesquecível da nossa família!

07 de janeiro de 2014: A vida sempre me presenteou com gente linda enfeitando todos os cantos pelos quais passei, lucky me! É como se nesse processo doido de preencher as linhas do caderno em branco que nascemos fossemos encontrando letras, palavras e desenhos que se encaixam e vão construindo nossa história. Muitas delas me deram conforto, interrogações, alegria, amor. Outras ainda moram em mim pelo incômodo, pela forma como foram espelho e me fizeram descobrir coisas escondidas lá no brejo do meu peito. Na intensa missão de não ser uma ilha, é bem válido levar na mala boa dose de atenção e coragem para entender como, quando e porque as pessoas nos completam.


11 de março de 2014: Desde que chegamos aqui, plantar nosso próprio alimento esteve no topo da lista de “prioridades”. Não só porque temos espaço de sobra pra isso, não só porque é um “hábito” de quem mora na roça, não só porque queremos diminuir nossa lista do supermercado e nossos custos ao final do mês. Mas porque queremos e precisamos nos alimentar bem, porque entendemos que o que vem do quintal de casa é imensamente mais colorido, gostoso e saudável do que aquilo que se encontra numa prateleira, porque é uma delícia plantar e ver a dupla natureza+tempo transformar aquela semente minúscula numa cenoura cheia de vida, porque a saúde dos nossos filhos merece o respeito e o cuidado de uma alimentação rica e completa, porque a gente cansou de ser “cúmplice” das empresas que dominam o mundo de forma tão suja e desleal (porque é isso que fazemos quando compramos algumas marcas).


22 de agosto de 2013: Tem médico? Sim, tem o SUS e uns três clínicos gerais que cuidam de todo mundo. Trocamos nossa cara (e problemática) Unimed pelo cartão da família que Maridalton veio aqui em casa pessoalmente fazer. Ele, agente de saúde da cidade, ficou sabendo que uma grávida havia chegado na sua área de atuação e fez questão de vir me explicar tudinho sobre o pré-natal feito pela enfermeira Aline no posto. Não somos mais um número de carteirinha, aqui cada pessoa é realmente uma pessoa;


28 de setembro de 2013: Nossa vida por aqui traz exercícios diários de adaptação e, confesso orgulhosa, estamos nos saindo muito bem na maioria deles. Coisas simples como separar e reaproveitar o lixo, trocar detergente por sabão de coco, temperar a comida apenas com o gersal que produzimos, fazer nosso próprio pão e comprar só mesmo o essencial, tem sido uma delícia e uma pergunta: porque não fazíamos isso antes?

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02 de dezembro de 2013: Quando a gente tem alma cigana, aprende-se a ser amigo da saudade. Na verdade, essa é quase uma imposição da vida fora de casa, me dei conta disso bem cedo, quando juntei minha matula e fui viver longe da família, aos 16 anos. Às vezes, sinto que minha alma resolveu viver essa amizade meio que como uma defesa para não sofrer esse conflito: o corpo querendo voar mundo afora e o coração sem sair do lado de quem se ama e quer bem.
A rotina da família também pode ser acompanhada pelo Instagram.

Fotos por Manu Melo Franco


Fonte-Aqui


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